terça-feira, 19 de junho de 2007

sexta-feira, 15 de junho de 2007

O FAZEDOR DE LUZES

O FAZEDOR DE LUZES

Estou deitada, debaixo do céu estreloso, lembrando meu pai. Nesse há muito tempo, nós nos dedicávamos, à noite, a apanhar frescos. O céu era uma ardósia riscada por súbitos morcegos, desses caçadores de perfumes.
_ Pai, eu quero ter uma estrela!
_ Estrela, não: é muito custosa de criar.
Eu insistia. Queria possuir estrela como as outras meninas tinham brinquedos, bonecos, cachorros. Aqui, no rés da terra, eu não podia ter nada. Ao menos, lá no infirmamento, se autenticassem minhas posses.
_ Mas, pai: o senhor diz que faz criação de estrelas.
_ Fazia tive de entregar todas. Eram dívidas, paguei com estrelas
_ Eu sei que sobrou uma.
Meu pai não respondia nem sim nem talvez. Era um homem vagaroso e vago, sabedor de coisas sem teor. Dedicava-se a serviços anónimos, propício a nenhum esforço. Dizia:
Sou como o peixe, ninguém me viu transpirar.
e me alertava: veja o musgo, que é o modo do muro dar planta. Quem o rega, quem o aduba? nada, ninguém. Há coisas que só paradas é que crescem.
- É, minha filha: aprenda com o mineral. Nimguém sabe tanto e tão antigo como pedra.
Cuidava-me sozinha, orfã eu, viúvo ele. Ou seria ele o orfão, sofrendo do mesmo meu parentesco, o falecimento de minha mãe? Perguntas dessas são incorrigíveis. quem sabe é quem nunca responde. Na realidade, meu nascimento foi um luto para meu pai. minha mãe trocou de existir em meu parto. Me embrulharam em capulana com sangues todos misturados, o meu novinho em gota e o dela já em cascata para o abismo. Esse sangue transmexido foi a causa, dizem, de meu pai nunca mais compridar olho em outra mulher. Em minha toda vida, eu conheci só aquela exclusiva mão dele, docemente áspera como a pedra. Aquele côncavo de sua mão era minha gruta, meu reconchego. E mais um agasalho: as estranhas falas com que ele me nevoava o adormecer.
_ Você escuta os outros se lamentarem de seu pai.
_ Não escuto, não-menti.
_ Dizem eu não faço nada na vida, não faço nem ideia.
E prosseguia, se perdoando:
_ Mas eu, minha filha, eu existo mas não sei onde. Nessa bruma que fica lá, depois do estrangeiro, nessa bruma é que você me vai encontrar a mim, exacto e autêntico. Lá fica minha residência, lá eu sou grande, lá sou senhor, até posso nascer-me as vezes que eu quiser. eu não tenho um aqui.
_ Não diga assim, pai.
_ Havia de ver, minha filha, lá eu não sou como neste lado: não cedo conversa a um qualquer. pois, nesse outro mundo, filhinha, eu tenho o mais requerido dos serviços: sou fabricador de estrelas. Sim, faço estrelas por encomenda.
_ Verdade pai?
_ Verdade filha. Pergunte a Deus, sou até fornecedor do Paríso.
Voltámos ao quintal, deitávamos a assistir ao céu. Eu já adivinhava, meu velho não suportava silêncio. E, num gesto amplo, ele cobria o inteiro presépio do horizonte.
_ Tudo isso fui eu que criei.
Eu estremecia, gostosa de me sentir pequenina, junta a esse deus tão caseiro. E lá, pai, eles nos vêem a nós? nada filha, não nos vêem. A luz daqui está suja, os homens poeiraram isto tudo.
_ Mas ela nos vê, lá nessa estrela onde foi?
O pai não respondia. Ele que tinha palavra para tudo, tropeçava sempre no mesmo silêncio. Minha mãe: dela não se mencionava nada. Ela não era nem criatura, nem coisa, nem causa. Nem sequer ausência. E não sendo nem sujeito nem passado, ela escapava a ser lembrada. Meu velho fugia a sete corações do assunto da saudade. Como daquela vez que a mão, veloz, enxugou o rosto.
_ Você nunca olhe o céu enquanto estiver chorando. Promete?
_Então, me dê uma estrela, pai.
_ Nada, as estrelas não podem ser dadas. nunca veja a noite por través da lágrima-insistiu ele, sério.
Depois, quando se ergueu lhe veio uma tontura, sua mão procurou apoio no meio de dançarinas visões. Eu o amparei, raiz segurando a última árvore.
_ Está doente, pai?
_Qual doente?! É a terra é uma mulher muito ciumenta.
E outras vezes ele voltou a tontear. Até que uma noite, após estranho silêncio, ele me disse, esquivo, quase tímido:
_ Vá lá. escolha uma...
_ Posso, pai?
E fingi apontar para uma estrela, entre os mil cristais do céu. Ele fez conta que anotava o preciso lugar, marcando no quadro negro o astro que eu apontara. me ajeitou a mão na minha fronte e me puxou para o seu peito. Senti o bater do seu coração.
- Escolheu bem, filha.
E explicou: aquela que eu indicara seria a luz onde ele iria morrer. Ninguém lembra o escuro onde nasceu. Todos viemos de fonte obscura. por isso, ele preferia a claridade dessa estrela ao escuro de um qualquer cemitério. Então, por primeira vez, meu pai fez referência àquela que me anteriorou:
_ É nessa estrela que ela está.
Agora, deitada de novo nas traseiras da casa, eu volto a olhar essa estrela onde o meu pai habita. lá onde ele se inventa de estar com a sua amada. E em meus olhos deixo aguar uma tristeza. A lágrima transgride a ordem paterna. Nesse desfoco, a estrela se converte em barco e o céu se desdobra em mar. Me chega a voz de meu pai me ordenando que seque os olhos. tarde de mais. Já a água é todas as águas e eu me vou deitando na capulana onde as primeiras mãos me seguraram a existência.
Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos
MIA COUTO

quinta-feira, 14 de junho de 2007

ANNIE LENNOX

PRIMEIRO AMOR de Samuel Beckett


"Naquela altura eu não percebia as mulheres. Aliás agora também não. Nem os homens. Nem os animais. O que percebo melhor, e não é dizer muito, são as minhas dores.

"Samuel Beckett, Primeiro Amor

Cubismo de Almada










ALMADA NEGREIROS






Almada foi muito influenciado pela crítica. Recebeu-a sempre como estímulo à sua própria evolução. É assim que, na sua primeira exposição individual, recebe a crítica que porventura mais o motivou na procura da perfeição, a do seu amigo Fernando Pessoa que considerou a pintura de Almada:




"capaz de apanhar momentos de espuma, mas sem consciência de que essa espuma é orla dum mar antigo, vasto e misterioso"






Almada, reconheceu com uma modéstia comovente a falta de consistência das suas primeiras obras:



"De todas as profissões a que chega mais tarde à vida é a de pintor, na necessidade de esperar primeiro por si próprio para que a pintura aconteça"




O desenho foi um alicerce incontornável na obra plástica de Almada Negreiros que o considerava como o caminho natural que conduz à pintura.



"Tudo o que contém clareza de entendimento tem a função do desenho"




quarta-feira, 13 de junho de 2007

ALMADA NEGREIROS


A Maternidade, Almada Negreiros

EVELYN DAVIDDI








Ilustradora Italiana

GIULIA DE ZULIANI

"La poesia è sicuramente una forma di salvezza perché di fronte al dolore si può reagire in tre modi: o abbandoni la vita sociale o diventi autolesionista e fai male anche agli altri (con questo duplice atteggiamento) o ti rifugi nell'arte. ..."

terça-feira, 12 de junho de 2007

NÓS DE NOVO


VINICIUS DE MORAES



Deve ser amor

Sim, sinceramente, amor
Eu não sei o que se passa em mim
É assim como uma dor
Mas que dói sem ser ruim
Sim, é ter no coração
Sempre uma canção
É tão embriagador
Deve ser, sim
Deve ser amor

E HÁ COISA MELHOR?

NÓS E OS LIVROS
NÓS A DARMOS ALMA
À NOSSA BIBLIOTECA
O NOSSO CONVIVIO
A NOSSA AMIZADE
A NOSSA VONTADE QUE TUDO DESSE CERTO...
E DEU!






VINICIUS DE MORAES

Tanto faz...
Como diria o grandeVinicius de Moraes numa carta a Tom Jobim:
...Lembra que tempo feliz
Ah, que saudade
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz....
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor

JOSÉ JORGE LETRIA


"A árvore do abraços"
- conto de José Jorge Letria, Ilustraçãos de Joana Quental, edições quasi
TODOS P'RÀ MESA
Jorge Listopad e Manuela Bacelar

Mais de uma dezena de estimulantes contos do conhecido escritor checo, a residir em Portugal, belíssimamente ilustrados por Manuela Bacelar.

U2 With or without you

AMANDA MARSHALL

"É ao livro, à palavra escrita, que atribuímos a maior responsabilidade na formação da consciência do mundo das crianças e dos jovens. Apesar de todos os prognósticos pessimistas, e até apocalípticos, acerca do futuro do livro (ou melhor, da literatura), nesta nossa era da imagem e da comunicação instantânea, a verdade é que a palavra literária escrita está mais viva do que nunca.

"in: Literatura Infantil, Nelly Novaes Coelho, Moderna

Leiam acerca deste tema o apontamento escrito por José Pacheco Pereira no Abrupto. Vale a pena.
http://www.abrupto.blogspot.com

MIA COUTO


ilustrado por Danuta

Esta é uma das belíssimas páginas de "O Gato e o Escuro" de Mia Couto.

LUISA DUCLA SOARES


ilustrações belíssimas de Fátima Afonso

A PRINCESA DA CHUVA






«“Não há bela sem senão”


diz a antiga expressão!


Mas o que acontece quando não há


azar que a coragem não enfrente?


Será possível transformar uma


maldição em benção?»








segunda-feira, 11 de junho de 2007

JOSÉ MENA ABRANTES

O bebê e a mãe

crescera dentro
da mãe
como todos os bebês



uma faca grande
talvez suja
como tantas vezes acontece
cortara
o cordão da vida
que o ligava
à mãe



uma manhã
aninhado
no calor das costas
da mãe
acordou de repente



a mãe corria


depois a mãe caiu
e ele com ela
a mãe ficou
quieta
muito quieta
e ele
chorou alto



sentiu então
que o uniam de novo
à mãe



com uma faca grande
talvez suja
como tantas vezes acontece

sexta-feira, 8 de junho de 2007

ONTEM O SOL BRINCOU ÀS ESCONDIDAS


O AMOR É... josé jorge letria


Tirei-a ontem dia 7! Eu e o meu filho!!!


O amor é
ter uma boa causa
para não deixar de amar

O AMOR É... josé jorge letria

O amor
é uma ponte de luz
entre mim e ti

O AMOR É... josé jorge letria

O AMOR É
UMA CASA ONDE A TERNURA
QUER MORAR SEMPRE.

A CASA QUE O AMOR CONSTRUIU

A CASA QUE O AMOR CONSTRUIU
Esta história é verdadeira. Passou-se em França depois da Primeira Guerra Mundial, durante a qual uma aldeia inteira foi destruída pelos combates.

Marie acordou sobressaltada na escuridão cerrada e sentiu o cheiro familiar da sujidade. O seu pequeno corpo estremeceu com o frio húmido. Enquanto se levantava para arranjar a cama feita de trapos e de serapilheira no chão sujo, o pesadelo que lhe tinha abalado o sono pairava sobre ela como uma nuvem negra. Era todas as noites o mesmo pesadelo.
Começava sempre com um sonho agradável. Via a sua aldeia francesa muito amada. Depois via-se a sair com a Mãe e a Avó da casa velha e aconchegante, e a passar pela rua estreita. Debaixo de quase todas as janelas, havia floreiras garridas cujas flores se agitavam ao vento. O Sol resplandecia no campanário da igreja. Mas havia uma reverberação assustadora que vinha na direcção da aldeia: a reverberação das armas. Marie estremeceu de novo, à medida que sentia que o sonho feliz se tornava um terrível pesadelo. Vinham-lhe à cabeça recordações assustadoras. Aterrorizadas, a Mãe e a Avó tinham-na arrastado para as árvores. Aí, deitaram-se por terra. Soldados de uniforme azul passavam em colunas. Armas! Lutas! Explosões e gritos! Fogo! Quando tudo acabou, a aldeia deixara de existir.
À medida que a guerra se afastava, Marie, a Mãe e a Avó vasculharam, em lágrimas, o cascalho em que a sua casa se transformara. A pequena família mudou-se para uma antiga cave. “Como toupeiras nos buracos do chão”, pensara Marie com tristeza.
Enfiou-se nos trapos e voltou a cair num sono irregular. Na sua cabeça, os soldados continuavam a marchar. Depois dos soldados franceses em uniformes azuis, tinham vindo os soldados alemães em uniformes verdes. Para alívio de todos, depressa se foram embora. Depois vieram os uniformes caqui dos americanos. Os americanos riam-se e entregavam moedas francesas aos miúdos ávidos. Mas, quando partiram, a aldeia continuou em ruínas.
Quando Marie acordou de novo, o Sol brilhava através das fendas nas tábuas velhas que serviam de tecto. Ao ouvir sons estranhos, sentou-se num ápice. Algo de diferente estava a passar-se naquela manhã. Perguntava-se que sons seriam aqueles.
― Mãe, será que os soldados voltaram? ― perguntou ansiosamente.
― Não, minha querida. Vai lá acima ver quem chegou.
A Mãe parecia estranhamente contente.
Marie atirou com os trapos e subiu os degraus periclitantes da cave. Viu de imediato que outros homens, de uniforme cinzento, tinham vindo para a aldeia.
― Oh, Mãe! ― gritou excitada depois de os observar por algum tempo. ― Os soldados trazem serras e martelos, em vez de armas. Estão a construir casas.
Marie pensou que eram soldados porque traziam uniformes. Mas não eram soldados. Eram trabalhadores britânicos e americanos.
Marie pensou depressa. Desceu os velhos degraus a correr e pegou numa meia velha onde estavam seis cêntimos franceses que os soldados americanos lhe tinham dado. Era o único dinheiro que a sua família tinha. Enquanto voltava a subir as escadas, um misto de esperança e ansiedade fazia-a tremer a cada degrau. Correu para o chefe dos homens vestidos de cinzento.
Timidamente, estendeu a meia e mostrou-lhe os seis cêntimos.
― O senhor pode construir-me uma casa por seis cêntimos? O homem pareceu surpreendido e pediu-lhe para repetir a pergunta. Quando finalmente compreendeu, não se riu nem sorriu, mas respondeu muito seriamente:
― Bem, Menina, veremos o que se pode fazer. Não disse “Sim”, mas também não disse “Não”. Marie montou guarda todos os dias para ver o que aconteceria.
Uma por uma, foram-se construindo casas pequenas para outras pessoas. As casas eram pequenas e simples mas, para Marie, eram bonitas. Como ansiava por um chão de madeira limpo para varrer e um belo telhado de telhas vermelhas para impedir a chuva de entrar!
Será que se iriam embora sem construir uma casa para a família dela? Enquanto esperava e observava, a cave parecia-lhe mais escura e húmida do que nunca.
Quando estava quase a desistir de esperar, Marie obteve a sua resposta. A resposta era “Sim”. A casa de Marie, tal como as outras, foi construída em apenas três dias. Para Marie era a casa mais bela do mundo.
No dia em que acabaram de a construir, o chefe dos homens de cinzento entregou, com muita cerimónia, a chave da porta de entrada a Marie, dizendo: ― Menina, a sua chave.
Marie pegou nela e abriu oficialmente a porta, enquanto a Mãe, a Avó e toda a aldeia a observavam.
Parou de repente, como se se recordasse de algo. Prometera-lhes os seis cêntimos pela casa, por isso esta ainda não era propriedade sua.
Voltou rapidamente a descer os velhos degraus da cave e, quando voltou, dirigiu-se ao chefe dos homens de cinzento. Agora que estava acabada, a casa parecia grande e os seis cêntimos pareciam pouco. Mas era tudo o que ela tinha, e foi-os contando à medida que os colocava na mão do chefe.
Será que chegava? Quase nem se atrevia a olhar para o homem.
Ele sorriu-lhe e disse solenemente (em Francês, claro):
― Obrigado, Menina, mas quatro cêntimos são suficientes ― e devolveu-lhe dois cêntimos.

William W. Price (Texto adaptado)
Lightning candles in the dark
Philadelphia, FGC, 2001
Tradução e adaptação

PEQUENAS PEDRINHAS BRANCAS

Pequenas pedrinhas brancas… para pequenos polegares pensantes!

A história é a guloseima, antes da longa separação da noite. É como uma lampadazinha que a criança poderá meter debaixo do travesseiro. Uma ideia, uma imagem para afagar, para chuchar, para remexer em todos os sentidos. É o que os bebés pressentem quando se lhes dá um livro, que eles viram de pernas para o ar vezes sem conta! “Sim”, dizem na sua linguagem. “Há alguma coisa de essencial e de misterioso. O livro é mágico.”
Lendo uma história aos nossos filhos, fornecemos-lhes uma mão cheia de pedrinhas brancas – que os pássaros não comerão. Levá-las-ão consigo, ao longo do caminho, rumo à floresta obscura. Perdidos no escuro, assolados de perguntas, dúvidas e angústias, saberão desenvencilhar-se. E tirar proveito delas.

A CASA FEITA DE SONHO


Leve como uma pluma,
alta como uma torre,
quente como um ninho
e doce como o mel,
assim imaginei
desde pequeno
a minha casa…

Mais tarde, quando me encontrei só no mundo, como não tinha dinheiro, resolvi construí-la com as próprias mãos. Fiz primeiro a minha casa de papel, que é um material barato.
E assim que ficou pronta, vieram todos os ventos da Terra e levaram a minha casa de papel, leve como uma pluma…
Fiquei sem casa, mas não desisti. E fiz a minha casa à beira-mar, com areia da praia, que é um material barato.
Mal estava pronta, vieram todas as marés do mundo e levaram a minha casa de areia, alta como uma torre…
Deu-me vontade de desistir, mas eu precisava de uma casa, e sobretudo não podia abandonar o meu sonho.
E resolvi fazer a minha casa de madeira, que é um material barato. Cortei-a dos bosques, com as próprias mãos! Ficou linda!… Escondida entre a folhagem…
Mas ainda mal a tinha acabado, vieram todos os fogos do céu e queimaram a minha casa de madeira, quente como um ninho… Chorei sobre as cinzas, como se chora uma pessoa querida que morreu.
Mas, mesmo assim, não desisti. E resolvi fazer a minha casa de açúcar…
Mas o açúcar não é um material barato! Pois não…
Mas eu precisava de uma casa, e sobretudo, não podia abandonar o meu sonho.
Trabalhei, lutei, passei fome, para juntar o açúcar suficiente…
E quando a minha casa estava pronta — eram de açúcar as paredes, o chão, o tecto, os móveis, as portas e as janelas — vieram todos os bichos da Terra e devoraram a minha casa de açúcar, doce como o mel…
Fiquei sem casa. E desisti de construí-la com as próprias mãos…
Perguntam-me onde moro… Onde moro eu? Sei lá!… Vou pelo mundo, aqui, além, no bosque, à beira-mar… Perguntam-me se não tenho casa… Tenho, sim! Eu podia lá abandonar o meu sonho!…
Resolvi imaginá-la. Num sítio onde não chega o vento, nem o mar, nem o fogo, nem os bichos da Terra.
Fiz a minha casa com o meu próprio sonho. Ficou linda!
Leve como uma pluma, alta como uma torre, quente como um ninho e doce como o mel…



Ricardo Alberty
A casa feita de sonho
Melhoramentos de Portugal, 1991

PEDAGOGIA WALDORF

CONTOS DE FADAS À LUZ DA PEDAGOGIA WALDORF

Obedecendo aos princípios da pedagogia Waldorf, os contos de fadas apresentados em marionetas na Casa das Fadas são muito mais do que um espectáculo de entretenimento.

O ritmo de desenvolvimento das crianças, segundo esta pedagogia, é sagrado e deve ser respeitado. Se tudo tem um timming, os contos de fadas não fogem à regra. «Como defende Steiner [autor dos pressupostos teóricos em que se baseia a pedagogia Waldorf], os contos de fadas são incontornáveis a partir dos três, quatro anos.

Até essa idade, incidimos nas histórias da natureza, menos elaboradas, com muito ritmo e lenga-lengas», explica Cláudia Valentim. «Mas até aos sete anos, os contos de fadas são muito importantes e é bom que as crianças tenham contacto com eles até essa idade, pelo menos, de preferência até aos 10.

Hoje, há muita tendência para apressar as crianças a crescer. Há pais e educadoras que dizem coisas como "Já és crescido para essas histórias" ou "Essas histórias são para bebés". Isso é um erro crasso», alerta.

Além da importância de crescer sem pressas e livre da competição, a pedagogia Waldorf sublinha o valor dos conteúdos dos contos de fadas, afirmando que eles são o tesouro mais precioso da Humanidade.

«É que estes contos falam de todas as verdades universais, falam-nos individualmente de cada assunto que nos preocupa em cada fase da vida, têm respostas para o que sentimos e podem ligar-nos ao nosso lado espiritual», explica Cláudia Valentim.

«Há respostas a nível de valores, de ética, de construção da personalidade, respostas que vão contribuir para a formação de um ser humano feliz, centrado e com consciência de si próprio. Os contos de fadas são um alimento para a vida», resume.

A criança identifica-se sempre com uma personagem da história, consoante a fase pela qual está a passar, tal como pode associar outras pessoas importantes da sua vida a outras personagens. Para que essa identificação seja mais fácil, as marionetas, segundo a pedagogia Waldorf, não devem ter rosto. Assim, é mais fácil para a criança imaginar.

«De todas as crianças que já assistiram aos nossos espectáculos, não houve nenhuma que alguma vez nos tivesse questionado pelo facto de os bonecos não terem olhos, nem boca, nem nariz», conta Cláudia Valentim. «Para elas, isso é aceite pacificamente. Os bonecos são bonitos, têm roupas coloridas. Os educadores sim, fazem essa questão, faz-lhes falta o rosto.

» Feitas em materiais cem por cento naturais, as marionetas são importantes porque é importante haver imagens às quais associar a história. «Isso é fundamental para as crianças. Tem sempre de haver um suporte de imagem, por isso é que as crianças pedem sempre para ver as ilustrações. Estas imagens não conseguem dar a mesma vivência de um teatro de marionetas, mas claro que também é importante contar estas histórias em casa», defende Cláudia Valentim.

Importante também é escolher uma boa versão (Charles Perrault, Irmãos Grimm, Anderssen) e estar disponível. O que é muito diferente de ler a despachar. «Não se pode ler um conto de fadas com pressa ou cheio de stress. É preciso gostar de o fazer, é preciso estar de alma e coração», alerta Cláudia. «Caso contrário, é preferível ler outro tipo de história», recomenda.

AS CRIANÇAS TÊM DIREITO ÀS VERSÕES ORIGINAIS... E A VIVEREM FELIZES PARA SEMPRE

Existem hoje três "atitudes-tipo" em relação aos contos de fadas: rejeição total, porque falam de um mundo de fantasia e não estimulam a racionalidade; aceitação total com abertura de espírito para que os contos de fadas possam falar às crianças; e uma aceitação contida, com algumas dúvidas sobre os benefícios do seu conteúdo.

São os pais que têm esta atitude mais dúbia que caem na tentação alterar o fio da história. Põem a avozinha dentro do armário, em vez assumir que foi comida pelo lobo, dizem que a rainha mandou o caçador levar a Branca de Neve embora, em vez de a matar, ou que a Gata Borralheira não tinha mãe porque ela foi trabalhar para fora.

Ora, todos os especialistas são unânimes em afirmar que as crianças não devem ser poupadas à violência que existe nestes contos e, mais, que esta violência é estruturante. A vida não é só cor-de-rosa. «A dor e a maldade fazem parte da vida e é bom que a criança se familiarize com essa realidade», defende Cláudia Valentim.

«Quando se omitem partes da história está a privar-se a criança de elementos importantes. A criança também tem o seu lado mau, também acontece ser um bocadinho "mazinha". Se ela sentir que também há nas histórias quem passe por esses processos, quem falhe, ela vai identificar-se», explica.

Claro que tudo isto são processos inconscientes. E os especialistas também são unânimes quanto à necessidade de não ler a história com objectivos didácticos, sublinhando, no final, as "lições" que interessa aos pais passar. As crianças apreendem intuitivamente as mensagens relevantes. Aos pais basta-lhes estar disponíveis e acreditar no poder transformador da história.

"Viver feliz para sempre" não tem de ser um exclusivo dos contos de fadas. A fantasia que se encontra nestas histórias contribui para que as crianças cresçam mais optimistas, sensíveis e confiantes. Afinal, acreditar que se pode viver feliz para sempre é determinante para que também a vida real tenha muitos finais felizes.

CONSELHOS PRECIOSOS PARA CONTADORES DE CONTOS CONVICTOS

- Ler de alma e coração (nunca ler com pressa)

- Associar imagens aos contos

- Nunca deturpar a história, com o intuito de "poupar" a criança

- Nunca pedir à criança para falar do que ouviu ou fazer um desenho sobre a história

- Nunca cair na tentação de esmiuçar a «moral da história». A criança absorve intuitiva e inconscientemente as mensagens relevantes para si,

- Nunca ridicularizar os contos ou as personagens. As fadas, as princesas e até as bruxas merecem todo o respeito!

- Conte o mesmo conto tantas vezes quantas a criança pedir. Segundo a pedagogia Waldort, a mesma história é contada 15 dias seguidos.

CONTOS DE FADAS


Era uma vez...

Ana Estevas

LER UM CONTO DE FADAS A UMA CRIANÇA É MUITO MAIS DO QUE CONTAR-LHE UMA QUALQUER HISTÓRIA. É DAR-LHE ASAS E RESPOSTAS PARA A VIDA. NÃO DEIXE O SEU FILHO EM TERRA. Os contos de fadas oferecem respostas para todas as dúvidas existenciais e angústias da infância. Muitos psicanalistas, psicoterapeutas e especialistas em desenvolvimento infantil estudaram a forma como estes contos actuam nas crianças que os escutam.

«Todos os problemas e ansiedades infantis, como a necessidade de amor, o medo do desamparo, da rejeição e da morte são colocados nos contos em lugares fora do tempo e do espaço, mas muito reais para as crianças», afirma o psicanalista Bruno Bettelheim no seu livro Psicanálise dos Contos de Fadas.

Ainda segundo este autor, estes contos «são orientados para o futuro e guiam a criança na procura de uma existência mais independente».

As personagens boas e más, sempre bem distintas, os obstáculos que enfrentam, os desfechos que não trazem finais felizes para todos, contribuem para a formação da personalidade, para o equilíbrio, para o bem-estar e — há quem jure a pés juntos - contribuem também para a sabedoria e para a felicidade. Por isso são imprescindíveis na "dieta" das crianças.

Hoje, são muitas as que passam "fome" deste alimento - porque é preciso crescer rápido, porque é preciso ser racional num mundo competitivo (desde o berço) e, basicamente, porque o tempo parece não chegar. Mas há quem tenha sacudido o pó dos livros mais antigos e feito renascer a magia, servindo verdadeiros banquetes a meninos ávidos.

Cláudia Valentim descobriu, há mais ou menos dez anos, que seria essa a sua missão na vida. Deixou o emprego bem remunerado de directora-geral num hotel e decidiu criar uma empresa com várias vertentes, mas cujo o objectivo principal seria levar as verdades universais dos contos de fadas às crianças e também aos adultos que educam.

Depois de fazer a formação em pedagogia Waldorf e de ter criado a «Crianças e Caminhos» (que é hoje «Cores e Caminhos»), com uma oferta de ateliês onde a fantasia e a expressão plástica foram sempre aliadas, mudou-se para Óbidos, onde abriu, há dois anos, a Casa das Fadas. Aí, recebe grupos escolares de todo o país.

Centenas de crianças passaram já pelo seu pequeno jardim para ouvir contar uma história, através de marionetas muito especiais. Em Março, começou também a apresentar os seus «teatrinhos» no Museu das Crianças, em Lisboa.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

A MENINA GIGANTE



“Esta é uma estória que começa mal e acaba bem –como muitas outras que todos nós já lemos. Mas ‘A Menina Gigante’– um livro que foi escrito por um pai e sua filha – relata uma série de coisas importantes que todos devíamos saber para que a vida fosse mais simples”

Guia da Semana, “Expresso”



“O conto revela grande pertinência ao tocar, ainda que de forma simples e acessível, na problemática da diferença do outro e da sua aceitação”

Ana Margarida Ramos“Diário do Minho”



“As ilustrações de Simona Traina, muito coloridas e com alguma preocupação com o pormenor, promovem a identificação das crianças leitoras com o universo da protagonista

”Ana Margarida Ramos“Diário do Minho”

MARIA JOYCE


SANDRA POIROT

A ÁRVORE DAS PALAVRAS

BEN HARPPER

SANDRA POIROT

O amor é
uma palavra imensa
com sílabas de chocolate

- Vou ter saudades de ti – disse o Coelho. – Vais ter saudades de mim?
- Não – disse o Ouriço.

- Eu vou ter saudades de ti

– disse o Coelho.

- Já sei – disse o Ouriço -, ainda agora mo disseste.



- És esquecido

– disse o Ouriço.

- Esquecido? – disse o Coelho.

- Se não fosses esquecido – disse o Ouriço -, lembravas-te de por que é que eu não vou ter saudades de ti.



- Lembra-me – disse o Coelho.

- Vou estar a dormir – disse o Ouriço. – Quando estamos a dormir não temos saudades dos amigos.



O Ouriço pegou numa pedra bicuda e foi até à árvore. O Coelho comeu uma

ervinha verde, e depois uma florinha, e depois um trevo.

O Ouriço escreveu uma mensagem na casca.


Querido Coelho

por favor guarda-me

um bocadinhode Inverno

para quando

eu acordar

Saudade

Ouriço

X


(…)

Nesse ano o Inverno foi rigoroso. Caiu neve. O lago gelou. O Coelho estava

quentinho na toca, mas tinha fome.


- Isto é que é aborrecido no Inverno – disse o Coelho, enquanto saltava para

fora. – Quanto mais frio está, mais comida eu quero.

Olhou em volta.

- E quanto mais frio está, menos comida encontro.


Não havia erva verde.

Não havia trevos verdes.


O Coelho teve de se contentar com coisas castanhas.

Folhas castanhas.

Casca castanha.

Uma bolota castanha.


Quando o Coelho viu as palavras na árvore, ficou tão surpreendido que deixou cair a bolota.

A bolota rolou.

Juntou neve.

Transformou-se numa bolinha de neve.
Ed. Caminho, 2ª edição, Fevereiro 2003, Texto de Paul Stewart, Ilustrações de Chris Riddell

O SOTÂO DA AVÓ (Sala do conto da BMSC)